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quarta-feira, 12 de março de 2008

CAFÉ E BOBAGENS

Quando eu estudava na PUC, na segunda metade da década de 90, tinha uma padaria lá na esquina com a avenida Cardoso de Almeida chamada Perfil. E tinha uma outra na esquina de cima, atravessando a avenida, a Flor das Perdizes. Bem, já faz tempo que a Perfil fechou e a concorrente passou a reinar absoluta na região. Investiu em reforma, subiu o nível dos produtos e do atendimento.

Passou a ser o point da região para um cafezinho rápido, aquele suco de laranja refrescante, ou a torta de morango a caminho do almoço na casa da tia.

No mês passado eu comecei a atender um cliente aos sábados de manhã, bem naquele quarteirão. Viciado que sou num café espresso forte e puro, acabo sempre parando lá antes de começar a trabalhar. No espaço da frente, que durante a semana serve de estacionamento, aos sábados predominam as mesinhas onde todos preferem comer, sentindo a brisa da manhã e a fumaça dos ônibus da avenida. O público é o seguinte: famílias jovens com filhos pequenos, casais jovens recém-casados ou namorados e coroas solitários conhecidos na vizinhança, principalmente.

Tudo de razoável bom gosto a não ser por um detalhe. No canto dessa área externa, sentado num banquinho, um tecladista anima a manhã com os clássicos da música popular. Na primeira semana ainda dei sorte, o teclado estava lá armado, mas não vi nem sinal do tecladista. Na semana seguinte fui obrigado a amargar o café puro com o genérico do cãozinho dos teclados.

Achei que o trauma não me permitiria mais tomar café na Flor das Predizes. Por mero acaso (entre os psicólogos, a fé em Deus varia de acordo com o guru que você venera), na terceira semana o cliente me liga desmarcando o atendimento. Por sincronismos que só Jung explica, não sofri uma overdose de café com bobagem, ops, café com tecladinho.

Mais uma semana se passa e no outro sábado estou eu lá, muito mais confiante e valente, querendo entortar o tecladista, pegando pelo chifre. Qual não foi a minha surpresa quando cheguei na padaria e não vi nem rastro de nenhum instrumento musical. Minhas preces foram
atendidas, logo pensei. E com a tranquilidade que pairava no ambiente, fui reparando nas pessoas que, como eu, comem sozinhas no balcão.

À minha esquerda uma cabelereira japonesa comia um X-Bacon cheio de ketchup. Eram 10:30 da manhã. Ela parecia desanimada. Fiquei imaginando se também passava ali todos os sábados. Logo concluí que para ela a música ruim devia ajudar a empurrar o bacon matinal. E depois de notar que naquele dia as mesas do lado de fora estavam mais vazias, por generalização pura e simples concluí que a música ruim também deve amenizar o cheiro dos ônibus que passam na avenida.

Toda a poesia da Flor vem das melodias pré-programadas.