quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

SORGE

O casal viajou separado na época do ano novo. Eles tinham muito disso, de compartilhar momentos maravilhosos juntos, de se amarem loucamente, mas não viviam exclusivamente um para o outro. Ambos sabiam no que isso implicava, ou achavam que sabiam, nem sempre isso era fácil de lidar, mas era assim que continuavam juntos e apaixonados. Estavam juntos havia poucos meses.

Ele viajou para Cuba e ela foi para uma vila de pescadores no litoral norte de São Paulo. Se correspondiam pelo celular, ele principalmente tinha a necessidade de tapar, metaforicamente, o abismo da distância concreta entre eles. Ela também estava com a cabeça nele o tempo todo, mas estava cercada de amigos e encontrava outras formas de se divertir.

Quando voltaram pra casa, viveram momentos tensos; trocas de acusações, cobranças, carências e revoltas. Não se sentiam mais um casal, a cada dia um dos dois trazia novas dúvidas e inseguranças. Nos poucos meses que compartilharam, ela já tinha apontado para a falta de sentido em alguns "acordos tácitos" que mantinham algum distanciamento entre eles. Algumas vezes ela pensou em romper, mas ele nunca suportou a idéia. Eram loucamente apaixonados. Depois do ano novo, esmagados pela estranheza daquilo que estavam sentindo, ela pediu de novo por um ponto final. Mas dessa vez ele aceitou.

Ele via a perda da intimidade nos olhos dela, todos os dias. Só pediu que não rompessem de forma drástica, pois dividiram momentos tão especiais naqueles meses, que julgou ser no mínimo respeitoso manter ainda algum convívio, dando mais liberdade para o outro (principalmente ele, para ela).

Aconteceu então de se encontrarem algumas vezes depois e logo perceberam que a paixão ainda era forte. Sentiam ainda a necessidade um do outro, do cheiro do outro, da pele, do sexo e do olho no olho que os mantinha quase hipnotizados. Reviveram momentos de tesão e entrega intensos, como na época em que se conheceram.

Ela só passou a questionar, com certa frequência, por que ele concordara em abrir mão dela. Isso gerou nela uma marca. Acreditou por algum tempo que ele já não a valorizava mais como antes. Ele desmentia, dizendo que nas últimas semanas sentia por ela o mesmo deslumbramento vivido na paixão inicial.

Ele acreditava e sintia isso na carne, que aquele "respiro" tinha feito bem principalmente para ela, que chegou a revisitar queridos do passado.

Ele faria de tudo para ver de novo um sorriso naquele rosto, para ver os seus olhos brilhando como estrelas. Aconteceu então que ela ficou muito doente logo em seguida. Com uma febre alta incessante, foi sozinha para o Pronto Socorro. Ele foi correndo encontrá-la e viu no mesmo momento, algo que já sabia há muito tempo: não podia mais ficar sem ela. Passou quatro dias cuidando da sua querida. Ouviu e acolheu todo o choro, a dor e a irritação que emanavam dela e que preenchiam todo o seu quarto.

A impressão que tinha era de que a Novalgina e o Tilenol faziam-na suar e expurgar todo o resto que o seu corpo retinha. Quanto mais ela se abria com ele, percebendo que seria acolhida incondicionalmente, mais suava e a febre baixava. As drogas químicas nada mais eram do que o
equivalente mais prático das ervas e raízes catalizadoras de processos xamânicos tão semelhantes.

Na última noite de febre ela ainda estava fraca. Ele deitou ao seu lado, olhou nos seus olhos e disse: "Eu não consigo gostar menos de você. Não consigo parar de te querer. Não consigo e não quero.". Ela pediu desculpas por qualquer palavra mais ríspida naqueles dias e agradeceu pelo cuidado que ele estava demonstrando com ela.

Ele não queria gratidão, nem arrependimento. Só queria poder ouví-la mais de perto, olhá-la mais de perto e cheirá-la mais de perto, com água na boca, como o lobo da fábula infantil, que devorou e se fundiu àquela mulher deitada numa cama.

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