sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

No metrô

Ele pega o metrô logo pela manhã e segue para o trabalho. Geralmente com um livro na mão, ou com fones nos ouvidos, ele sempre acaba se distraindo e com a mente mais solta, é como se um oráculo lhe revelasse algumas grandes verdades da sua vida, tal qual num mito grego.

Quando se apaixonou pela última vez, continuou pegando o metrô e lendo seus livros, ou escutando as suas músicas, mas sem aviso prévio passou a ter ereções enquanto viajava sentado no vagão do metrô. Nem precisava pensar na pessoa amada, não precisava evocar nenhuma memória; a sensação estava registrada em cada nervo do seu corpo.

Depois disso veio a fase analítica, na qual ele pensava o tempo todo na pessoa amada e isso o remetia a questões que discutira, anos antes, com sua analista. Questões edipianas, narcísicas, carências existenciais, desejos ambíguos e o resto do cardápio todo. Tinha esses insights, no
metrô, que sempre o pegavam de surpresa; chegava em casa e logo telefonava para a sua musa inspiradora, contando sempre não mais do que a metade das revelações do dia. Sempre achava que tinha um lado que deveria permanecer não dito. (Ela me suportaria por inteiro? Já não sou
demais assim como estou?)

Por fim, entrou na fase intuitiva, na qual ambos já se conheciam um tanto e se afinavam, um sempre se ocupando das questões do outro. Ele percebia que nunca estavam em posição de igualdade naquela relação. Quanto menos ela exigia na relação, mais ele temia perdê-la. E quando era ele que se dava por satisfeito, ela logo se punha a sofrer pela incerteza do amanhã. Não viviam juntos mas, naquela semana, se viam quase que diariamente. Num dia desses ela mandou um recado pelo celular só para mostrar que tinha acordado cedo e sentia saudades. Ele ligou de volta e conversaram até que ele teve que correr para o metrô novamente. Quase no fim do trajeto, o oráculo lhe esbofeteou novamente. "Puts, toda vez que ela fica assim tão carinhosa, tão apaixonada, é o princípio de uma crise. Como ela ficará depois disso?". No fim do dia, ele foi jantar na casa dela e a profecia se fez como previsto. Ela sofria sempre a inconstância daquela relação, apesar de todo o amor, carinho, confiança e cumplicidade que dividiam. E naquela noite eles souberam que não havia mais relação, pois os sentimentos que tinham um pelo outro os desestabilizava sempre mais. Ele foi embora no meio da noite pensando que não deveria andar tanto de metrô, a não ser quando estivesse excessivamente bêbado.

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